domingo, 9 de setembro de 2007

Deserto de concreto

Eu odeio a devastação aos hábitos de gerações inteiras que a modernidade traz! Esse vociferar me foi evocado consciente adentro ao passar por uma locadora tradicional daqui da cidade. Perto da faculdade, eles tinham uma invejável loja. Mas, nos últimos meses, o surgimento de locadoras na forma de terminais de auto-atendimento e o desenfreado compartilhamento digital de mídia legaram esses acervos de filmes à poeira do esquecimento. Enfim, era uma sobrevivente nessa era de entretenimento globalizado. Seu agonizante fim ecoou enfaticamente em mim a caminho de casa. Pela manhã, lembro-me dum cartaz anunciando liquidação total do acervo, já há uns dez, quinze dias pendurado ao lado do que antes era um outdoor (sim, a locadora tinha seu próprio outdoor pra jabá de distribuidora), com os dizeres: Liquidação total, DVDs a R$5, VHS a R$0,50. Os valores que costumávamos atribuir a certos objetos de nosso cotidiano se esvaíram de vez no consumismo e propagação incontroláveis incitados pelas novas tecnologias. Ampliou-se o acesso às manifestações pop de cultura, ampliou-se a horda de medíocres pondo abaixo o caráter seletivo de outrora da maior dificuldade de acesso à elementos culturais. Conseqüência? Inanição do bom-gosto. Industrialização do belo.

O mais lastimável não é o fechamento de toda uma rede de locadoras em si; não era exatamente um cliente costumaz. Mas sim o que dará lugar ao espaço físico do local: uma igreja evangélica. Mais uma! Sem falar a drogaria que construirão ao lado. Com um McDonald's à direita, que chegou há apenas alguns anos. Pois é, até as regiões mais nobres da cidade estão ficando jecas hoje em dia! Igreja, farmácia e crédito pessoal: essa maldita tríade polui nosso esqueleto imobiliário enquanto a paranóia/sedentarismo dos populares os levam cada vez mais a centros comerciais hermeticamente fechados como shoppings. A vida das cidades cada vez mais está sendo encerrada e escondida em recintos de concreto com aparelhos de ar condicionado industrial refrescando o traseiro gordo de socialites e adolescentes esgotando os estoques municipais de all-star, chapinha e senso de ridículo. O mundo entra cada vez em nossos bolsos, e ignoramos o que este buraco negro tecnológico anda fazendo com as coisas simples de antes. Veja só, no futuro seremos ridicularizados por nossos filhos por um dia nos termos sujeitado a alugar filmes! Vai faltar museus pra nossa geração? Eu acho que vai...

Seria trivial demais eu usar argumentos para a indústria fonográfica e usar do apelo nostágico ao mencionar como locadoras me pareciam atraentes em criança. Continuo então com o argumento de que as relações pessoais estão tão subversivas para com distâncias e percepções dos sentidos que não é de se estranhar como as pessoas soam tão estranhas a si mesmas às vezes. Queríamos o quê? Tal avalanche de impressões e experiências trazidas pelas mídias, que impregnam vivências incoerentes nas pessoas, as estão fazendo sublimar o mundo a seu redor. A aldeia global mais parece uma legião de pessoas invisíveis do que um mundo mais interligado. A propósito, aproveitei o desmoronar de um dos pilares da mídia de minha geração levando pra casa 5 DVDs e 6 VHS pela surreal importância de R$22,50. Com todo o valor agregado pelos fabricantes e responsáveis pela propriedade intelectual, embutida em cada um dos vídeos, a que tinha direito. Morram de inveja, exilados de seus próprios gravadores de DVD! Não estranhem as conseqüências de um mundo cujo prestígio de um artista está cada vez mais se medindo por cliques. O volátil ainda fará evaporar o sólido...

2 comentários:

Thais G. disse...

É verdade.
O mundo está cada vez mais "plastificado", e achei muito interessante a reflexão que fizeste acerca dos museus que vamos deixar ás nossas gerações futuras.

Abraços!

Antonio Ximenes disse...

Sr. "Sócio".

Andy Warhool previu que todos teriam direito a 15 minutos de fama.

Dito e feito.

Esse "progresso" devorador de tudo que é original e de bom gosto... atingiu um ápice devastador.

Confesso que sou um nostálgico. Aprecio as boas e velhas locadoras com acervos que possam satisfazer meu gosto por clássicos.

Sou nostálgico e de mente aberta... como qualquer NERD de trinta e poucos anos pode ser.

Belo texto.
Possui uma narrativa que me agrada.

Vou investigar mais esse seu espaço cultural.

Fique a vontade para visitar o meu humilde blogue "O Pitoresco".

Um espaço de propagação de poesias e textos.

Abração.