sábado, 25 de agosto de 2007

Amor em prosa moderna

Dos nossos planos é que tenho mais saudade,
Quando olhávamos juntos na mesma direção.
Aonde está você agoraAlém de aqui, dentro de mim?"
Vento no Litoral – Renato Russo

Ele gostou dela desde que passou a gostar.
Ela gostou dele desde quando passou a ser gostada. Assim, foram se gostando como se gosta quando criança: correndo juntos no parque, escrevendo nomes ainda tortos em árvores, contando segredos aos amigos mais velhos e ao vendedor de pipoca, ajudando nas provas bimestrais, dando cola quando necessário, ficando junto sempre que possível. E desse modo, ele foi gostando e sendo gostado por toda a infância e pré-adolescencia.O tempo que passa fez ele repetir de ano e mudar de colégio. O tempo que passa fez os telefonemas rarearem. O tempo que passa fez os encontros extinguirem-se. O tempo que passa fez as árvores com nomes serem cortadas e virarem mesas de bilhar. O tempo que passa fez ela mudar de cidade e não deixar contato. O tempo que passa fez ela deixar de gostar dele. O tempo que passa fez ele também esquecer dela.Ficaram as referências. Ele para sempre teve como referência de mulher bonita todas as baixinhas branquelas de cabelos pretos e com algumas sardas, se possível. Tímidas, silenciosas, sarcásticas, de uma sabedoria calma. Mulheres que rissem, muito, mas nunca escandalosamente.Pouco mais velho, chegando no Ensino Médio, ele gosta sem ser gostado de uma roqueira inteligente, rebelde, engraçada, tímida, maluca, quase sem rumo na vida, ou um rumo ainda desses que a gente se perde. Uma menina sem regras e com muito sono. Uma menina fraca e frágil. Ele gosta até o limite de poder gostar sem gostado e a mulher que nunca ia lhe amar era insistentemente seduzida.O tempo que passa fez ela sair da vida dele. O tempo que passa fez ela voltar. O tempo que passa fez ele fugir dela. O tempo que passa fez ela mandar cartas ignoradas. O tempo que passa fez ele aprender a viver só. O tempo que passa fez ela desistir e encontrar alguém. O tempo que passa fez ele esquecer dela e depois lembrar. O tempo que passa fez ele voltar. O tempo que passa fez ela perdoar. O tempo que passa fez ela desistir de tudo isso. O tempo que passa fez ela fugir dele. O tempo que passa fez ele obrigar-se a esquecer.Ficaram as referências. Ele passou, então, além de gostar das baixinhas branquelas tímidas, silenciosas e sarcásticas com cabelos pretos e com algumas sardas, também gostar das roqueiras inteligentes, rebeldes, engraçadas, tímidas, malucas, sem regras e com muito sono.O tempo que ainda estar por vir há de passar, há de marcar, há de ficar, há de doer e há de passar. O que fica são as referências, as saudades, as memórias e as lembranças. O que dói são as feridas, as derrotas, as tentativas e os prazeres. E para frente é viver e somar referências, até que um dia, sem Ter mais para onde se procurar, resolva-se a amar e ser amado. Só.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que lindo texto!
parabéns Léo