segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Justificando o injustificável

sobre o caso Suzane Hitchkoffen

Atire a primeira pedra quem nunca sentiu ódio.
Não falo do ódio dissolvido pelo tempo, daqueles que duram meses, mas sim daquele que vem e dura momentos, segundos talvez, mas são tão fortes, tão profundos que rompem qualquer barreira da nossa racionalidade.
Quem nunca bateu uma porta de raiva?
Quem nunca quis socar a parede?
Quem nunca arremessou um objeto qualquer?
Não ouso dizer qualquer coisa sobre agressões físicas, mas nesse instante talvez você esteja pensando: "sim, eu já quis agredir alguém."Existe uma idéia social, parte do senso comum, de que é ruim sentir raiva. Pior ainda, é inaceitável pensar em descarregar essa raiva, então o que fazemos é guardar, engavetar, fingir que não existem tais sentimentos dentro da gente. Gritar é barraco, chorar é fraqueza, fugir é covardia. Eis a virtude: fingir que não somos. Aí está o problema, temos uma sociedade de ovelhas sem sentimentos, que quase sempre são descarregados em formas singulares de prazer: festas, drogas, jogos, esportes. E assim, a sociedade vai bem, a máquina do mundo gira em perfeita harmonia.Eis que um dia, uma menina mimada, criada para ser uma mistura de Barbie e Cinderela, cansa-se de todas as outras formas de extravasar, rompe com tudo que existe dentro dela, vê que não é de cera, não é bonita e não sabe sorrir de verdade, descobre que as drogas fazem ela não ser ela, e não ser dói. E no meio de tantos pensamentos descobre: "a culpa é dos meus pais".Não sei se conheces o conflito da tragédia grega, mas ai está ele: homem x ordem. Não existe felicidade para a menina, enquanto seus algozes, travestidos de protetores continuarem sorrindo, a ordem foi comprometida, o prazer ou descanso familiar virou motivo de raiva. O mundo interno dela entra em rebuliço, pulsa, foge do equilíbrio, e as coisa começam a rumar para caminhos absolutamente desconhecidos. Totalmente fora de controle está a situação, não existe mais razão, o universo parece conspirar contra, a fim de se chegar a um equilíbrio. Enquanto isso, um amor recente, e forte, também domina a mente dela, que talvez, em certo momento, tenha dito a ele: "por favor, assuma para mim, decida para mim, salve-me." Ai, ela não é mais dona de si. A decisão de matar não é simplória, é uma mistura de pós-drogas, com amor, com noites mal dormidas, com ódio. Um ódio pulsando ao mesmo tempo em que a ordem precisava ser restabelecida. Nesse caso ou era a menina, ou eram os pais: a menina escolheu viver, na lei da sobrevivência.E a imprensa cai em cima, crucifica ela, diz que o pai era bom porque fazia de tudo e que a mãe havia perdido noites de sono por ela. Dizem que ela é ingrata porque "tinha tudo que queria". Encaram o problema dela como loucura, como insanidade, vêem-na como bicho, como se seus instintos mais primitivos tivessem controle, e no caso, isso não é bom. Assim, ela passa de mão em mão, de boca em boca, e de notícia a notícia ela vai perdendo a vida, vai perdendo os impulsos, vai se tornando um objeto de exemplo, onde pensar é muito perigoso. Expo-la em praça pública talvez seja um bom negócio.Se olharmos hoje em dia, não veremos mais uma pessoa, veremos apenas um instrumento da mídia de controle popular, com seus direitos confiscados, e que não paga apenas pelo seu erro, mas paga por Ter resolvido ir além e questionar o inquestionável, mudar o imutável, enquanto eu aqui, a muito custo, tento justificar o injustificável.
Se não consigo, deixo assim, talvez seja mesmo melhor deixar incompleto.

6 comentários:

Henrique Monteiro disse...

Hehe, tu quem sabe.
De quiser linkar eu agradeço.

Abração.

Anônimo disse...

belo texto muito bom mesmo
parabéns :)

MaxReinert disse...

Claro!!!!

Vamos justificar a falta de controle e fazer uma ode à barbárie!!!!

Por mais que se encontre uma retórica elegante e possa, realmente, haver essa intenção medíocre da mídia... o caso é que, não vivemos mais na grécia antiga!

A sociedade evoluiu e hoje, acredito eu, tirar a vida de alguém não pode e nem deve ser justificado de maneira nenhuma!!!

Não sei o que se passava na cabeça dessa moça no momento da morte e não acredito mesmo na "santidade" dos pais... mas, acredito no direito à vida!!!!

Minha vida não foi um mar de rosas, mas não matei meus pais... O governo que aí está nos tira muito mais do que qualquer relação ... Vamos matar todos os senadores e o presidente??? Por mais que a idéia seja extremamente tentadora, não é a solução!!!!

Matar nunca é a solução!!!!!

César Schuler disse...

Ótimo texto, pelo menos para mim você justificou bem, mas isso é uma questão de valores, muitos não concordarão...

E foi a primeira vez que eu li algo sobre essa garota que não envolvesse bobagens religiosas [¬¬]
Parabéns.

Ah, e muito obrigado pela visita e pelo comentário, volte sempre.^^

c disse...

Nossa, nunca tinha lido um texto tão bom sobre esse assunto.
Ah linkei seu blog ao meu tá?
beijo

Anônimo disse...

Existem pessoas e pessoas.
J� cheguei ao ponto de ver que n�o sou quem querem que eu seja, cheguei ao ponto de me odiar, cheguei ao ponto de achar que viver era cansativo pois estavam sempre me dando raizes quando queria asas, minhas pr�prias asas para voar pra onde eu bem entendesse! O espelho me dizia verdades que doiam: "quem � voc�?! apenas mais uma... s� mais uma, e nada mais que mais uma"! A raiva foi crescendo, acumulando sem poder ser aliviada, o �dio foi crescendo trazendo junto um limiar de dor quase insuportavel, e ai ent�o decidi: "n�o vale mais a pena viver" mas de algo deu errado na minha frustada tentativa de acabar com todos as dores e o disperdicio de O2 que eu achava que eu era, e o mundo ent�o me disse: "sua vida vale a pena ser vivida" e at� hoje nunca esquici das palavras do mundo!

�timo texto! gostei mesmo! n�o s� desse, mas como dos outros! sei que parab�ns � s� uma palavras, mas saiba que o meu esta carregado de significados: Parab�ns!